Eis o relato do meu parto que publiquei no meu diário de gravidez. Foi uma aventura e tanto! E apesar de tudo o que aconteceu, eu não teria problema algum de passar por tudo aquilo de novo…
Mistérios da maternidade…
*****************************
Quando saímos de casa na manhã do dia 28 de janeiro, já sabíamos que não voltaríamos somente os dois. Teríamos nossa tão esperada filhinha conosco, revirando nossa casa e nossa vida de pernas para o ar – exatamente como queríamos. Sim, a dorzinha de barriga e o frio no estômago eram inevitáveis: quem não se abala diante do novo e do desconhecido?

Saindo de casa
Quem me conhece sabe que eu gosto de uma adrenalina no sangue…
Demos entrada no hospital às 8 e meia da manhã. Fomos direto para o Centro de Parto, onde me instalaram imediatamente no quarto que serviria como o quarto de trabalho de parto e do parto em si. É um quarto que se vê no programa da Discovery Health – História de Um Bebê – do tipo “Transformers”: quando a hora do parto chega, vem um exército e tira móvel do lugar, põe uns acessórios adicionais, instrumentos, etc. Me deram um camisolão BONITO prá vestir, e fui colocada no monitoramento fetal e das contrações. Tudo estava bem com a nenê, mas nada de contrações…

"Boniteza" de camisola...

Monitoramento
(Sim, minha barriga virava a esquina antes de mim. Quando vi essa foto, eu quase enfartei… Destaque para o papel de parede de flor de maracujá…)
E nesse meio tempo, a gente se instalava no “nosso” quartinho. Comidinhas no frigobar, roupas no armário, TV ligada procurando a programação preferida, o Rê alucinado com a máquina fotográfica registrando e filmando tudo o que podia e não podia. Qualquer semelhança com as últimas férias é mera coincidência!
Às 9 e meia da manhã chegou a médica da equipe do Dr. Lee para o primeiro exame de toque. Era a hora da verdade: a condição do meu cérvix iria determinar que tipo de indução eu receberia. Se o cérvix estivesse com um percentual “x” de afinamento, a indução seria via venal com ocitocina; se estivesse ainda grosso, a indução seria local, com um adesivo de prostaglandina diretamente no colo do útero. O diagnóstico veio rápido: nadica de nada de afinamento. Imediatamente ela colocou uma fita embebida em prostaglandinas no meu cérvix, e a partir daí era só esperar.
Confesso que fiquei até feliz com a fitinha, porque soro pendurado na mão me dá nos nervos. Mal sabia eu o preço de não ter um soro na mão.
Às 10 e meia as contrações começaram, e não passavam de uma dorzinha como uma cólica menstrual. Com o passar do tempo a dor ia aumentando, mas ainda assim como a de uma cólica menstrual. Como eu passei minha adolescência inteira padecendo de cólicas, aquilo não era nada. Até estava divertido, e eu estava bem felizinha durante o meu primeiro almoço no hospital.

Almoço feliz!
Passei a tarde bem, com as contrações aumentando de intensidade e diminuindo o tempo entre elas, e sem problemas para administrar a dor. Às 4 da tarde, TÁ-DÁ! Finalmente a bolsa estoura! Agora sim, eu me sentia perto da nossa filhota chegar! Chamamos a médica para um outro exame de toque: afinal, eu já estava em trabalho de parto há quase 6 horas, e a bolsa estourada era um bom sinal! O exame disse outra coisa: o cérvix não tinha se alterado em nada, e em função disso nem valia a pena perguntar sobre dilatação. Mesmo assim eu perguntei, me fazendo de idiota, e a resposta veio: zero dilatação.
Começou a bater um desânimo. Eram quase 5 da tarde, 6 horas de trabalho de parto e nenhuma evolução. Já comecei a me preparar para uma noite naquele quarto, o que não estava nos meus planos iniciais. Enfim, foi assim.
A partir das 7 da noite a dor começou a aumentar progressivamente, e piorou muito quando o resto do líquido amniótico saiu – E O TAMPÃO TAMBÉM!, às 7 e meia da noite. Fui ao banheiro para trocar a fralda e a camisola que ficou emprestável, e a notícia desagradável veio: o líquido estava verde, sinal que a nenê já tinha feito o primeiro cocozinho lá dentro – o mecônio. A médica veio ao quarto, e explicou que é normal isso acontecer. E é mesmo. Mas a partir daquele momento era necessário monitorar a nenê constantemente. A cada monitoramento, era um alívio saber que ela estava bem.
A partir daí, a sessão fotos e filminhos foi interrompida… As férias haviam acabado.
O que não estava bem eram as contrações. A impressão que me deu é que alguém tinha ligado um interruptor da dor, tamanha a intensidade dela. Era uma coisa indescritível, algo que depois me dei conta de que era a dor da transição, quando faltam dois centímetros para dilatar e começar a empurar o bebê. Bem, essa dor começou às 8 da noite, e se estendeu por toda a madrugada e início da manhã. Não preguei o olho a noite inteira, porque as contrações estavam de 7 em 7 minutos, às vezes de 3 em 3. Eu saía para andar nos corredores, parava na frente do balcão da enfermagem, as parteiras me olhavam como dizendo “sinto muito, é assim mesmo”, ia para o computador checar e-mails, mas a dor não me deixava enxergar nada. Até bloguei um post aqui, só prá dar o ar da graça e fazer uma graça, mas não foi nada engraçado. Em algum momento da noite pedi uma injeção para a dor, um tal de Demeral. Nem cócegas fez, porque se tivesse feito eu ainda teria o benefício das endorfinas da risada. Eu nem ia tentar pedir uma peridural no meio da madrugada: anestesista de plantão deve fazer parte da mitologia médica. Só me restava passar a noite urrando baixinho de 5 em 5 minutos. Ou 7. Ou 3.
Finalmente o sol nasceu, e pedi um exame de toque urgente. Com toda aquela dor na madrugada, eu deveria estar para parir a qualquer momento. O líquido continuava saindo verde, mas a nenê estava bem. Chegando a médica, a constatação era: 50% de afinamento do cérvix e UM DEDINHO de dilatação. Aí eu tive uma síncope. Passei a madrugada urrando, com dores da transição de parto, para ter UM DEDINHO DE DILATAÇÃO?
Meu mundo caiu…
Pedi mais um Demeral. Nada. Chegou o café da manhã. Ah, sei. Tô super-a-fim de comer. Mas comi, porque ia precisar de forças quando o momento chegasse. Às 8 da manhã, pedi uma peridural. A enfermeira deu aquela puxada de canto de boca comum dos coreanos quando estão em uma enrascada. Apesar de ela consentir e sair do quarto sem dizer nada, eu já sabia qual era o problema: o anestesista com certeza não estava no hospital ainda. No desespero, pedi prá tomar um banho. A água quente me ajudou bastante, e fiquei lá por um tempo que perdi a noção. Deve ter sido bastante, porque quando estava me enxugando a anestesista já estava me esperando no quarto. Olhei no relógio e era 10 e meia da manhã, cravadas 24 horas de trabalho de parto. Eu sempre ouvi estórias ruins a respeito da peridural e tinha bastante receio, mas não senti absolutamente nada, nada, nada. O meu único medo era ter uma contração no momento em que a agulha estava entrando a minha membrana, mas rezei tanto que por alguns minutos nenhuma contração veio. A anestesista colocou um cateter na peridural, e o deixou preso na altura do meu ombro. Aplicou uma injeção do descansa-leão, e em 10 minutos eu estava no céu! E no inferno também. Eu não sentia dor, mas também não tinha mais contrações. Esse era o perigo de aplicar analgésicos na peridural antes de 5 dedos de dilatação.
Meio dia e meia o efeito do analgésico passou, e só senti isso porque as contrações voltaram imediatamente após. Melhor assim. E o Rê saiu correndo prá pedir mais uma injeção do descansa-leão.
A maratona de passa-o-efeito-começa-a-urrar-corre-chamar-a-enfermeira acontecia de 2 em 2 horas.
Às 4 da tarde – 24 horas após o rompimento da bolsa – recebi a primeira injeção de antibióticos. A coisa estava ficando preocupante. Nesse momento o Wlamir chegou – nosso amigo aqui na Coreia – e disse que de lá não saía enquanto a nenê não nascesse. Ainda bem que ele me pegou em um momento de êxtase pós-peridural.

Daqui não saio!
E as visitas não pararam de chegar, todos querendo saber o que estava acontecendo. Às quinze para seis da tarde pedi uma “licencinha prás visita”, porque o bicho estava pegando. Hora de gritar prá enfermeira mais uma dose. E hora prá gritar prá médica mais um exame de toque.
Ministrada a dose da alegria, chegou a médica. Ela fez o que tinha que fazer, e anunciou: 70% de afinamento do cérvix e 2 dedos de dilatação. Eu surtei. Ela disse que iria me dar uma injeção de pitocina, para acelerar o processo. Surtei de novo.
– Você não vai me dar injeção de pitocina coisa nenhuma.
– Mas vai te ajudar.
– EU… ESTOU… DIZENDO… QUE… NÃO… QUERO.
– Mas, mas…
– E eu quero falar com o Dr. Lee, JÁ!
Mal terminei a frase e senti uns 37 dedos cutucando o meu cérvix. Eu não tinha mais forças para dizer nada. Ela estava me ajudando de novo, tentando acelerar a dilatação. Sei. Ganhei meio dedinho de dilatação, e sabe-se o que mais lá dentro. Aí o Dr. Lee chegou às seis da tarde.
– Dr. Lee, eu não aguento mais.
– Ah, deixa eu ver…
– (de novo não…)
– Bom, você está evoluindo.
– Dr. Lee, estou há 32 HORAS de trabalho de parto. Recebendo analgésicos derruba-cavalo a cada duas horas.
– Mas você vai conseguir.
– E qual a sua previsão? Quando isso acaba?
– Eu estimo mais umas 7 ou 8 horas. Ou até mais.
– Dr. Lee, depois de uma noite inteira sem dormir, o sr. quer que – na melhor das hipóteses – eu empurre um bebê de 4.5kg às duas da manhã? EU NÃO VOU AGUENTAR!!!!
Então, resolvi encerrar a novela:
– Dr. Lee, eu quero uma cesariana. Não é de longe o que eu gostaria, mas o bom senso me diz que eu já fiz tudo o que poderia ter feito.
O Dr. Lee foi muito profissional. Ele ainda tentou me convencer do contrário, mas quando ele percebeu que nossa cabeça estava feita, e deu as ordens.
A partir daí, tudo aconteceu muito rápido. Ele saiu da sala, e logo chegou uma enfermeira para me preparar. Ela saiu, e chegou o cara do Raio X. Até tentei argumentar, mas não dava mais. Só pedi um avental de chumbo para a nenê. Depois veio alguém me dar uma injeção. E alguém colocou uma toquinha. E alguém fazia o Rê assinar um monte de papéis, autorizações, e sei lá mais o quê. Desta última, só me lembro que a menina disse que eu poderia tomar uma anestesia geral. Aí eu entrei em pânico. Onde já se viu! Todo esse trampo, e eu iria dormir durante o parto? Nem a pau, Juvenal!
Em 10 minutos eu já estava na maca correndo pelos corredores do hospital até o centro cirúrgico. Eu não via o Rê, e só sabia repetir: cadê meu marido, cadê meu marido. Chegando lá, foram precisos 6 COREANOS para me transferir para a mesa cirúrgica. E injeção de um lado, monitor em outro, um monte de gente me preparando, demarcando a região do corte, e eu discutindo com o anestesista.
– Olha, a peridural não é a mais indicada. Talvez seja preciso uma raquidiana.
– Nem pensar. Eu quero a peridural.
– Mas você vai sentir a cirurgia.
– Sentir dor?
– Não, só um incômodo.
– Moço, depois de 32 horas de parto, EU AGUENTO QUALQUER COISA.
E o Rê chegou. E a cirurgia começou. O Rê viu absolutamente tudo, e eu senti absolutamente tudo. Parecia que estava tomando uma surra. E estava mesmo, porque ela era muito grande.
Às 6:43, a Beatriz nascia. Ouvir o choro dela foi algo indescritível, e quando a colocaram perto de mim eu me pus a chorar. Óbvio! Bem, naquele momento vem uma enfermeira desesperada:
– NÃO CHORA, NÃO CHORA!
Minha pulsação subiu descontroladamente. E depois o Rê me disse que começou a jorrar muito sangue do corte, que ainda estava aberto. Opa… foi mal…
O Rê saiu com ela para o berçário, e eu fiquei lá tendo as coisas colocadas no lugar e costurada. A sensação era surreal. A partir daquele momento, nossas vidas estavam alteradas, para sempre.
A melhor mudança de todas, e a nova aventura só estava começando!!