O post de hoje no Korea Beat fala de algo muito pulsante na Coréia do Sul: o preconceito racial.
O professor de Psicologia da Ewha’s Women’s University, Bang Huijeong, conduziu um estudo entrevistando estudantes universitários – 121 coreanos e 53 estrangeiros. O resultado trouxe algo já conhecido na sociedade coreana: o preconceito em relação a raças diferentes da coreana.
A raça branca (ou caucasiana, não sei qual delas é a mais ou menos politicamente correta) é a que sofre menos preconceito. Os grandes massacrados são os negros e os sul-asiáticos (tailandeses, vietnamitas, filipinos, e por aí vai). São vistos como menos honestos e menos confiáveis, e não há desejo de estabelecer nenhum tipo de vínculo com eles.
O Professor Bang se preocupa com o futuro do país, em um momento em que grandes transformações são necessárias para a inserção efetiva da Coréia do Sul no mundo globalizado. Ele diz que
(…) quando comparado a estudantes estrangeiros, os coreanos diretamente mostram atitudes e pensamentos preconceituosos. Para preparar para uma era de multiculturalismo e globalização, essas atitudes e pensamentos devem ser transformados pelo sistema de educação e por contatos frequentes com pessoas destes países.
O Korea Beat ainda propõe que o estudo deveria ser estendido a duas gerações anteriores a dos estudantes, para determinar o grau de evolução – se algum – das atitudes preconceituosas. Acho justo, e curioso. Afinal de contas, a “plataforma” do preconceito coreano se baseia na homogeneidade racial e na pureza do sangue. Mas o realmente interessante é que os coreanos mantém uma relação de inferioridade em relação à raça branca, e uma relação de superioridade em relação aos negros e sul-asiáticos. Talvez pela aparência ou pelo modelo de sociedade. Isso requer mais neurônios e pesquisa…
A xenofobia é algo que sempre foi muito presente para nós nestes quase três anos de Coréia. Tive algumas experiências pessoais, que foram chocantes e ao mesmo tempo fascinantes. Duas delas ocorreram no ambiente de trabalho, o qual considero o mais hostil de todos por aqui.
O primeiro episódio foi durante uma grande reunião de toda a área em que eu trabalhava. Uma mega vídeo-conferência englobando todos os países da Ásia e Oceania. Algo como umas 700 pessoas conectadas, ouvindo o nosso Vice-Presidente falando sobre os resultados da empresa naquele trimestre, dividindo sucessos e falhas, premiando os destaques do período. Depois de todo o blá-blá-blá, chegou o momento das perguntas e respostas. Nosso Vice-Presidente estava conduzindo a conferência aqui da Coréia, e estávamos todos em um grande auditório. Eis que ele recebe a primeira pergunta vinda de um coreano, o qual era somente o porta-voz de um grupo que não se identificou:
Quando é que os estrangeiros vão embora daqui?
Eu quase caí da cadeira. Virei para o lado para perguntar se eu tinha perdido alguma coisa, dormido no meio da pergunta, sei lá. Todos os outros estavam também abestalhados, sem acreditar no que tinham ouvido. Nosso Vice-Presidente se saiu muito bem na resposta (que não posso reproduzir, porque o contexto expõe detalhes confidenciais da empresa) e deixaram os coreanos com cara de tacho. Mas foi nesse momento em que meu mundo caiu. Um baita esforço para me adequar à cultura local, respeitando e entendendo as esquisitices, e de repente tudo veio à tona: não importava o quanto de energia era dispendido. Não éramos bem-vindos, e ponto final. A partir daquele momento, relaxei e procurei não esquentar muito a cachola. Nunca deixei de respeitar a cultura local, mas deixei de abafar a minha cultura, os meus costumes, e minha forma de vida. Depois de tanto ouvir “você tem que entender a cultura coreana” em momentos de conflito, eu passei a usar “você tem que entender a cultura brasileira”. E isso vai mais ou menos de encontro com a precupação do Professor Bang.
O segundo episódio ocorreu durante um almoço. Bate-papo aqui e acolá, e o assunto virou para o tópico “falar coreano”. Conosco estava a Ellie, uma coreana muito cabeça que trabalhava conosco de tradutora e intérprete. Eu e a Kristin perguntamos: Ellie, que raios acontece que, quando falamos coreano, ninguém entende? Ela riu. E a gente continuou explicando que por mais perfeito que seja a nossa pronúncia e nossa colocação gramatical, o coreano vai olhar prá gente e dizer que não entendeu. Repetimos, e nada. Lá pela terceira vez, o coreano fala: AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH! Você quer dizer “isso isso isso isso”? E repete EXATAMENTE o que dissemos. Eu expliquei prá ela que se algum estrangeiro no Brasil me aborda perguntando onde ele pode comprar BANANÁ, eu vou entender. BANANÁ não existe, mas eu sei que ele quer dizer BANANA. E que na Coréia isso não acontecia nunca. Mesmo com a pronúncia perfeita.
Aí ela disse: Bem, a verdade é que os coreanos não admitem que um estrangeiro fale a sua língua perfeitamente. A atitude de dizer que não entende é para desencorajar. A língua coreana é um dos tesouros da Coréia, e um estrangeiro falando tira a pureza do conceito.
Não esperávamos a resposta, mas ficamos muito gratas com a franqueza da Ellie. Ela sempre foi a nossa fonte de informação fidedigna lá no escritório…
Há outros casos de preconceito que aprendemos pelos blogs locais, revistas e papos com pessoas. As Casas da Luz Vermelha aqui em Seul não aceitam clientes que não sejam coreanos, porque os estrangeiros são considerados sujos e os responsáveis por espalhar doenças venéreas e AIDS. Mas os coreanos vão para os paraísos sexuais no Sul da Ásia, transam sem camisinha, e voltam para os meretrícios locais. Resultado: as DSTs e a AIDS estão se alastrando em progressão geométrica. Outro fato interessante é que os homens coreanos abominam os estrangeiros porque segundo eles “os estrangeiros só estão na Coréia para roubar nossas mulheres”. E por aí vai.
Longe de mim querer fazer qualquer tipo de comparação com o Brasil. Não é o intuito aqui. Eu até prefiro que a coisa seja descarada, mesmo, porque desta forma não existe dúvidas do terreno que a gente pisa. No Brasil, Terra da Diversidade, falar de preconceito é um dos maiores tabus da sociedade. Brinca-se de avestruz, todo mundo enterra a cabeça, e assim caminha a sociedade…
A preocupação do Professor Bang ainda precisa ecoar aqui na Península. Em um país de 80 milhões de habitantes, onde 1 milhão são estrangeiros, é necessário uma mudança drástica e rápida na sociedade. É isso e a expansão das fronteiras coreanas nesse mundo globalizado, ou passar arame farpado e criar um planetinha separado por aqui.
Honestamente, esse último é o que parece casar com o pensamento da coletividade… Mas… tem a Coréia alguma opção?