Eu prometi que voltava logo, mas meu logo não foi tão logo assim… Talvez porque a gravidez tenha trazido uma outra conotação para o tempo. Não, nada disso. Estou terminando de arrumar a casa (casa = eu mesma), depois de dois grandes e diferentes rumos que dei para a minha vida.
O primeiro deles, vocês já sabem. Estou grávidíssima, 16 semaninhas! A vida parece que voltou ao normal, depois de 10 semanas de agonia. Por 10 semanas, abracei a porcelana do banheiro todos os dias. Fora a sensação de viver dentro de uma máquina de lavar roupas que só funciona no ciclo da centrifugação. E fora TODOS os outros sintomas que todos os livros relacionavam como normais no primeiro trimestre de gestação. Não conseguia cozinhar, não conseguia comer, mal conseguia abrir a geladeira. Meu corpo passou fome e sede, mesmo sem sentir. Ainda bem que a natureza é sábia, e o Pequeno Ser se alimentou do meu corpo por todo o trimestre. Nunca a relação parasita-hospedeiro ficou tão clara para mim!
O segundo deles: decidi parar de trabalhar por aqui. Tirei a licença não remunerada a qual tinha direito, e descabelei. Muita gente surtou com a minha decisão, e ficou sem entender nada. Ok, nada de pânico. Não foi uma decisão descabeçada, tomada em meio a um turbilhão emocional causado por hormônios e 10 semanas ininterruptas de mal-estar. Após trabalhar continuamente por 21 anos, essa é uma decisão que foi pensada, repensada, macerada, curtida e recurtida. E a decisão de parar de trabalhar veio com a decisão de engravidar. Os motivos são assuntos para mais de metro para uma Carta Coreana, mas vou tentar resumi-los:
- o meu trabalho é de natureza altamente estressante. Isso não é bom, mas é contornável. O que não é contornável é ter um fuso horário de 12 horas com o Ocidente, o que força a trabalhar muito além das horas normais; e muito menos contornável é trabalhar em um ambiente insalubre, como o meu antigo escritório.
- em um ambiente de trabalho predominantemente machista, ninguém quer saber se eu preciso tirar um cochilo de 15 minutos porque estou extremamente cansada: se está no escritório, é prá produzir. E ponto. Afinal, ainda tem muito homem casado e pai de família que acha que sintoma de gravidez é frescura de mulher… Imagina o que dizer dos coreanos no escritório…
- a fábrica não possui ambulatório, ou um Time de Emergência para Primeiros Socorros. Se algo acontecesse comigo por lá, não dá prá prever o desfecho. Ah, e ninguém fala nada além do coreano.
- a fábrica fica a 45 Km de Seul, onde moramos. O que significa uma média de 2,5 horas por dia no trânsito, ida e volta. Trânsito insano, por sinal. Também completamente impraticável, no caso de uma emergência.
- aqui na Coréia não existe Creche, Escolinha, Berçário, ou qualquer outro nome que temos no Brasil. Sim, afinal de contas, para que eles precisam disso? A mulher coreana, com raras exceções, pára de trabalhar quando casa ou quando tem o primeiro filho. E as que continuam trabalhando têm alguém da família (mãe ou sogra) para cuidar da criança. Escolinha aqui, somente após os 3 anos de idade.
Muitos poderiam pensar: ah, mas você poderia arranjar uma babá. Sim, verdade. Mas uma babá coreana? Ou filipina? Alguém pode conceber o fato de ter uma pessoa de uma cultura (e língua) completamente diferente CRIANDO o seu filho(a)? Sair de casa às 7h da manhã, chegar às 8h da noite, e ver seu filho(a) somente nos finais de semana? Não, não é prá mim…
Me sinto privilegiada. Poder ter um tempo para mim durante a gravidez, sem stress, sem correria, cuidando do corpo e da mente é uma verdadeira benção. E poder passar o primeiro ano de vida do bebê cuidando dele é uma benção ainda maior. Isso no Brasil seria impossível. Eu trabalharia até a bolsa de água estourar, e estaria de volta após a licença-maternidade, aos prantos. Como a grande maioria das minhas amigas por lá. E a cena não é bonita de se ver.
Mas voltando ao ponto inicial: essas duas grandes mudanças da minha vida exigiram – e ainda exigem – uma fase de adaptação que não é muito fácil. Aliás, é muito difícil. Mas é um difícil maravilhoso! Viva a adrenalina!
Ok, minhas sinapses foram bem afetadas, mas ainda existe um Ser Pensante nesse Hospedeiro que vos escreve!
Eu voltei!